Release North Face Open de Boulder por Rafael Passos
Nesse dia 12 de junho de 2010 foi realizado o North Face Open de Boulder, o eventou contou com presença de 10 estados. Dentre esses alguns com atletas de alto nível como: SP-Cesar Grosso, Carlos Eduardo Levy, Leandro Pardal, Ligerinho Mastrocola e o Linha(que ta se enturmando aqui no DF mas ainda não foi aceito) rs, MG-Gustavo Fontes, Gustavo Olivé, Jean e Juan Ouriques, Alexis Rokaz, RJ-Caio Gomes, PR-Lucas Scalco, SC-Andreas Ramses, DF-Rafael Passos, talvez o Linha Paranhos e Colorado, estado onde vive o escalador Norte americano recentemente Campeão do Mundo em Vail, Daniel Woods, conhecido também como "Madeirinha", "Daniel Madeiras" ou como eu prefiri por ele ser uma pena "Maderite".
Assim que cheguei na Campo Base(ginásio como poucos no Brasil) me deparei com um cenário bem descontraído, muito diferente de tudo que eu já tinha visto, e sem sombra de dúvidas o melhor evento realizado no Brasil disparado, podendo se comparar somente com o SP Open, evento realizado com extrema competencia tambem, porem sem confraternização noturna(rs). Deu tudo certo, a organização foi impecável e muito guerreira, eles fizeram tudo pro evento não ter nenhum ponto negativo e pra mim a movimentação e o estilo das agarras utilizadas foi o que tornou o campeonato PERFEITO. A pontualidade, condução do evento e a animação deram um toque especial, até porque quem estava com o microfone, narrando tudo e passando a maior VIBE era o nosso mestre, nossa inspiração, nosso irmãozão mais MONSTRO Dioguinho Ratacheski. Foi incrivel e talvez o mais acontecimento mais especial pra mim, encontrar essa figura foi simplesmente sem palavras. Sem palavras também pra organização, realizada por Minc, Fábio PODER, Carlos Michel "Carlera", Belezinha, Rogeba, Juca Canteli e o Dioguinho.
Desde o ano passado que estou treinando com maior disciplina e maior intensidade. Junto com os treinos vieram os objetivos e o grande objetivo para os treinos era mandar o meu primeiro 10C . As vias de 10C que eu me foquei foi a Cabra da Peste (Serra do Cipó) e a Mr. Bill (Barrinha).
A Cabra da Peste ainda esta em fase de andamento, pois é uma via de encaixe e bem técnica, estou me adaptando a ela e dando uns pegas de vez em quando...mas ela saira em breve, pois estou treinando para isso.
Já a Mr. Bill esta longe da minha casa e isso cria uma responsabilidade maior ainda, pois a oportunidade de entrar nela é um pouco rara. Por isso treinava forte para cada vez que voltasse la me sentisse melhor. O que de fato aconteceu. Mas a via é um pouco mais exigente do que isso... Ela é longa, o que exige bastante resistência e possui crux bem definidos que exigem bastante raça na hora da cadena.
Este último final de semana dia 12/06 tive a oportunidade de aproveitar as boas condições do clima de inverno... temperatura boa e textura boa. E junto com isso eu estava bem internamente o que permitiu eu mandar a via com tranqüilidade.
Pra quem ainda não conhece a via, vale muito a pena entrar, o visual é irado, os lances e a movimentação são desenhados e as quedas são alucinantes... A via é incrível.
Esse final de semana, Cabeça, Mister Bean, Sanzo e eu (Alexis) tentamos repetir uma via de big wall que foi aberta em 2009 e que já é famosa no Brasil inteiro por várias razões:
- A via foi aberta por uma forte equipe liderada por Stefan Glowacz, um alemão que é uma lenda da escalada, ele era um dos melhores escaladores e alpinistas do mundo nos anos 90, e aos 45 anos continua passeando nas vias tradicionais de décimo grau. - Edemilson Padilha, fundador da Conquista Equipamentos , forte escalador e que tem no currículo o Cerro Torre na Patagónia. Ele fez algumas conferencias no ano passado pelo Brasil, apresentando a via como a via mais linda que já tinha escalado. - A via é muito difícil, com enfiadas de nono grau a serem protegidas com móveis. - Last but no least, a via é lindíssima, no paredão mais impressionante do Brasil na minha opinião, a Pedra Riscada! Só o nome da via, "the place of Happiness", da vontade de escalar!
No ano passado muita gente assistiu esse vídeo (da primeira ascensão) e ficou na pilha de repetir a via...
A nossa idéia era escalar na quinta-feira as nove primeiras enfiadas, na quinta a noite descer em rappel em diagonal para dormir em um platô que fica um pouco a direita da linha da via, e continuar escalando o big wall até o cume na sexta... Mas em qualquer aventura é a alta probabilidade de acontecer imprevistos... Nosso final de semana foi infelizmente um pouco diferente do esperado.
Saímos quarta a noite de BH pela estrada que vai para Vitória-ES, passamos um, dois, três, quatro, cinco acidentes. Essa estrada realmente merece o título de "estrada da morte". A gente estava andando devagar, o escalador geralmente prefere passar perrengue na rocha que na estrada...
As 4 da manhã paramos em um lugar onde simplesmente a estrada de chão se transformava num rio. Acordamos as 8 para tentar passar esse primeiro "crux". Descer um degrau de 50 cm para entrar no rio e andar 30 metros no rio com o carro!
Obviamente o carro afundou na areia fofa do leito do rio e perdemos duas horas para vencer esse trecho bem técnico e físico...
Chegamos as 11 da manhã na base do paredão: a expectativa era muito alta, não fomos decepcionados. Realmente é o paredão mais imponente e estético que já vi no Brasil. A via tem 850 m de altura e passa na aresta amarela na direita do paredão.
Arrumamos os equipos e começamos a caminhada para chegar a base do paredão.
A primeira parte da via é positiva com 4 enfiadas de 4to e 5to grau.
A quinta enfiada já é um sétimo grau de positivo e depois começa a parte vertical e negativa do paredão. Nessa foto o Cabeça está guiando uma enfiada em 6c protegida com móveis:
E começou a escurecer... A gente tinha escalado 7 enfiadas ao lugar das 9 que a gente tinha previsto escalar... Descemos de rappel uma enfiada e subimos em diagonal a direita para passar a noite no plato.
A região da Pedra Riscada é isolada, selvagem e linda: da pedra riscada é possível observar uns vinte "Pãos de Açucar", e vários ainda são virgens...
Na sexta acordamos as 5:30 para começar a escalar cedinho e aproveitar bem o dia.
O lindo amanhecer:
O platô do bivaque:
O Mister Bean que começou a escalar a primeira enfiada do dia, um 8a/b de fenda. A fenda era muito fina, difícil de proteger com móveis, mas os conquistadores tinham colocado uma chapeleta a 3 metros da parada e uma outra a uns 10 metros. O Bean começou a escalar, chegou a primeira chapeleta rápido, depois a escalada ficou mais difícil. Ele conseguiu colocar três proteções precárias na fenda, mas chegando a segunda chapeleta, num lance muito delicado, ele perdeu o equilíbrio e vacou... A vaca me lembrou um pouco esses filmes de ação muito ruins que mostram quedas espetaculares de alpinistas só para dar muito medo a quem assiste (tipo "Limite vertical"...): as 3 proteções do Bean saíram uma depois da outra sem nenhuma resistência, e ele caiu até a chapeleta travar a queda num platôzinho 3 metros abaixo da parada... Era só ouvir o grito dele quando ele chegou no platô para entender que ele tinha machucado feio...
O Bean na fenda dois minutos antes de vacar:
Depois de cinco minutos, o Bean começou a falar conosco: o pé dele estava torcido, ele decidiu descer com o Sanzo. Depois de conversar bastante, decidimos continuar a escalada, pois parecia que o Bean ia conseguir descer sozinho com o Sanzo.
Comecei a guiar a enfiada com bastante apreensão depois da queda do Bean... A pedra que só um ou dois escaladores tinham escalado ainda era muito frágil. Quebraram várias agarras quando estava escalando. Mas depois de uma hora de luta estava no topo da enfiada, muito feliz...
A enfiada vista de cima da parada:
Fiz um pequeno vídeo no topo dessa enfiada, é difícil de entender o que eu falo mas vale a pena assistir para ver o visual:
Depois o Cabeça subiu a enfiada jumareando:
O lindo visual atrás...
Depois escalamos uma outra enfiada de fenda em 9a:
Cabeça na pressão, super motivado, sempre!
E a fenda acabou. Começou a parte mais esportiva da via, com várias enfiadas negativas de oitavo e nono grau protegidas com chapeletas bem afastadas uma da outra! A escalada era muito linda, sobre um granito laranja sólido, numa aresta muito estética a 500 metros do chão... Cabeça guiando uma enfiada em 8b/c:
O crux da via é uma enfiada em 9a com chapeletas a cada 6 metros em media... É provavelmente a enfiada mais linda da via também, na parte mais negativa do paredão, 60 metros de puro prazer de escalada... Uma foto que tirei no meio da enfiada:
Quando comecei a guiar essa enfiada já estava bastante cansado: meu treinamento para escalar a via foi basicamente pedalar muito, não é o mais eficiente! Depois de tomar duas vacas já bastante impressionantes, consegui passar o crux, e pensei que a enfiada já estava terminando. Mas uma enfiada de 60 metros demora para acabar... Depois do crux veio um esticão de uns 8 metros de oitavo grau! Comecei a escalar sem muita expectativa de chegar a próxima chapeleta, pois já estava com os braços torados. Conquistei metro após metro, sem olhar para baixo o vazio impressionante, e focando na chapeleta que ficava um pouco mais perto a cada movimento...
Cheguei com bastante esforço a um metro da chapeleta e finalmente achei algumas agarras melhores. Nesse momento pensei que estava salvo, que ia conseguir alcançar a chapeleta, estava muito feliz, mas de repente surgiu um dos piores inimigos do escalador de paredão: a cãimbra!! Comecei a gritar, metade por causa da dor, outra metade por raiva, estava tão perto da chapeleta, mas tão longe agora! Consegui trocar de mão na agarra, descansei 10 segundos e apareceu uma cãimbra no outro braço. Tentei de trocar de mão de novo, mas a tentativa não deu certo... Olhei para abaixo desesperado, nem dava para ver a última chapeleta...
Gritei para o Cabeça: "Vazei!!".
O Cabeça não conseguiu acreditar, ele gritou: "Não! Vamos!" Mas já tinha partido para a maior vaca da minha vida... A corda demorou uma eternidade para esticar... Estava a 40 metros dele quando caí, a vaca demorou vários segundos, o Cabeça subiu 2 metros acima da parada quando a corda esticou e cheguei a duas costuras encima dele, numa parte da parede que felizmente era bem negativa, e não machuquei... A vaca foi de uns 20-25 metros, a 550 metros do chão!
Tentei subir de novo na corda mas as cãimbras voltaram mais fortes ainda... Nesse momento escutamos os gritos do Bean que estava sofrendo para descer a via de rappel, e depois de avaliar o péssimo estado geral do "team", tomamos a sabia decisão de descer. Nas montanhas, o maior segredo da longevidade do escalador é de saber renunciar no momento certo...
O Cabeça subiu a enfiada para limpa-lá:
Chegamos a base da parede quando estava escurecendo. Batalhamos uma hora e meia num mato fechado para voltar ao carro, onde dormimos. No dia seguinte cedinho, arrumamos o material e voltamos para BH...
Agora nos quatro temos uma certeza absoluta: vamos esperar que o Bean recupere da luxação e voltaremos logo escalar até o cume essa via fantástica!
Narração: Alexis Apoio: Conquista Montanhismo, AM420NIA, Stone , Rokaz e Adrena